Vinte e três de novembro caiu num sábado em 2024. Numa cidade pequena é comum ser o dia da semana mais importante para eventos grandes. A notícia do lançamento do filme “Um Rio de histórias” feito na cidade pela professora Márcia Cândido correu a mineira Conselheiro Pena. O dia coberto de nuvens anunciava mais uma noite chuvosa para o Circuito de Exibição do Curta Vitória a Minas III. “Em princípio, ficamos muitos ansiosos. Estava chovendo. Todo mundo me mandando recadinho, alguns para me avisar que não poderiam estar presentes por causa do tempo, outros porque tinham compromissos. Cidade pequena quando tem alguma coisa é no sábado. Então, meu coração foi ficando apertado. Meu Deus, como vai ser esta sessão?”, indagou a professora.
A ansiedade e a expectativa a acompanharam até a quadra da Escola Estadual Maria Guilhermina Pena. Algumas pessoas começavam a chegar e se acomodar nas cadeiras. A telona exibia um conjunto de animações com roteiro e desenhos de crianças de escola públicas do Projeto Animação do Instituto Marlin Azul. Márcia percorreu o espaço para cumprimentar o público. Amigos, familiares, colegas de trabalho, alunos da escola e outros membros da comunidade se juntando, todos muito curiosos para ver o filme na tela. A sessão também contou com a presença de Ely Moreira da Costa, diretor do filme “Deslizando nos Trilhos”, morador de Conselheiro Pena, selecionado na primeira edição do Curta Vitória a Minas.
“A sessão começou. O primeiro filme exibido foi “Me Disseram que Sou Negra”. Todo mundo bateu palmas e alguns me mandaram relatos que se sentiram representados pelo filme sobre racismo e preconceito. Em seguida, veio “O Pássaro”, que causou muito medo por causa daquele pássaro que corria pra lá e para cá. E, depois, passou “A Velho do Rio”. E, em seguida, veio “Um Rio de Histórias”. Nesta hora todo mundo quietinho, calado. Quando começou, eu chorei. Depois, me controlei, porque queria ver o filme, escutar as reações, e foram as melhores possíveis. Todo mundo ficou encantado! Foi uma emoção geral na quadra. Os olhinhos de todo mundo fixos na tela, escutando, entendendo a história. Eu olhava ao lado e conseguia ver a emoção”, relata a autora.
A plateia se posicionou de pé para aplaudir a obra. A ficção é inspirada em causos reais e inventados repassados de geração em geração no cotidiano da convivência familiar e comunitária. Márcia ouvia as histórias na infância, antes de dormir, contadas pela mãe Marli Cardoso que, por sua vez, ouvia do pai, Geraldo Cardoso, um conhecido e respeitado mecânico de carros pesados em Conselheiro Pena. Vô Geraldo também gostava de caçar e de pescar e costumava reunir a esposa Delvina Gomes Cardoso, a Vó Delva, e os 8 filhos biológicos e 05 adotivos para contar os causos colhidos nas aventuras na mata e no rio Doce.
A comerciária Rubia Quetane Fernandes Cardoso, prima de Márcia, sobrinha de Marli, neta de Geraldo e Delva, estava ansiosa para ver o filme em que interpreta uma menina maliciosa e misteriosa num dos contos da obra. “Olha, foi lindo demais! Um momento muito gostoso e emocionante, me senti extremamente feliz. Estava ansiosa até o início da sessão. Essa experiência foi única, nunca irei me esquecer de como é ser atriz. Vivi aquele frio na barriga e também senti como é difícil entrar no personagem, mas, aquela frase “sempre dá tudo certo”, que eu sempre falo, mais uma vez se mostrou verdadeira. O filme ficou lindo demais, além das minhas expectativas de como eu havia me saído. Um Rio de Histórias ficará em nossas vidas para sempre. Ah, e não posso deixar de parabenizar os outros filmes que também ficaram lindos”, declara Rúbia.
Quem também se surpreendeu com o curta-metragem na telona foi a professora Roseli Soares Trindade, outra integrante do elenco. “A sessão de cinema foi encantadora. Apesar de muita chuva antes e durante, que pode ter impedido que mais pessoas viessem, mesmo assim, o ginásio lotou. Tudo perfeito: assentos, som e imagem de ótima qualidade. E teve até pipoca. Um resgate cultural, filmes com raízes, estilo, linguagem e histórias regionais. Fiquei encantada com todos os filmes, especialmente, com “Um Rio de Histórias”, em que pude me ver na tela junto com meus amigos. Cada aparição era uma emoção! O filme foi uma surpresa porque eu só sabia sobre as cenas que eu havia feito. A montagem, a história, o cenário, tudo ficou além da minha imaginação. Eu também amei me sentir estrela. Por ser uma cidade pequena, o filme ganhou repercussão e todos estavam esperando ansiosamente a estreia. Estou encantada, feliz e agradecida!”, relata Roseli.
O ator Diogo de Carmo sonhava em viver um personagem numa história gravada em Conselheiro Pena. Durante o set de filmagem, ele aumentou a concentração para viver o papel de um dos pescadores. “A cena que mais gostei foi a do barco no rio. Apesar de estar raso, eu tive medo porque o barco balançava muito e demandava uma concentração maior. Mas, vendo agora na tela, saiu tudo perfeito. É a minha cena preferida. O legal deste filme é que ele trata o drama, o suspense, a ação, em poucos minutos. Atuar no filme foi maravilhoso! Agora, ver o filme finalizado e a reação do público foi emocionante”, conta Diogo.
A diretora conta como o processo de construção da história, o aprendizado sobre a linguagem e as técnicas audiovisuais e a experiência de produção do filme marcam um divisor de águas em sua vida pessoal e profissional. “A experiência que o projeto traz pra gente é de um novo começo, de entender o cinema como uma ferramenta possível. O cinema transforma vidas. Estou impactada. Eu tenho um outro olhar, uma outra visão sobre a cultura e o cinema. O trabalho dos profissionais que nos acompanharam despertou, tanto em mim, quanto em todo mundo que estava nesta produção, que é possível, que a arte é válida. São ferramentas que podemos explorar, podemos trazer as imagens, contar as histórias, recuperar as histórias que estão sendo levadas pelos nossos idosos à medida em que eles não podem mais contar e conversar. A sensação é de tarefa cumprida. O desafio agora é levar esta história adiante, continuar fazendo histórias, se possível, fazendo filmes”, destaca Márcia Cândido.
Após Conselheiro Pena, a caravana de cinema do Curta Vitória a Minas III desembarcou neste domingo (24/11) em Periquito (MG). A sessão gratuita de filmes feitos por moradores de cidades do entorno da Estrada de Ferro acontecerá, às 19h30, no Centro Municipal de Educação Infantil. Amanhã (25/11) será a vez de Governador Valadares receber o caminhão-cinema.
Texto: Simony Leite Siqueira
Fotos: Mariana de Lima