Um Ponto Rotineiro: uma história de superação na ficção e na realidade 

Escrever move o coração de Hosana Marta. Começou assim na pré-adolescência nos anos 90. A imaginação soprava histórias, personagens, enredos. As palavras ressoavam no peito e a menina as acolhia em folhas do caderno de dez matérias. Um amigo levava uma folha pra ler, repassava para outro que entregava para outro e, assim, os capítulos dançavam pra lá e pra cá em sala de aula. Ao longo dos seus 48 anos de vida, Hosana aprendeu a transformar a palavra em prosa, poesia e em música. Junto com as memórias guarda o desejo de um dia viver da arte e compartilhá-la com o mundo. 

No ano passado, Hosana inspirou a filha apaixonada por cinema a se inscrever no Curta Vitória a Minas II. Jaslinne Pyetra Matias dos Santos, de 27 anos, cresceu dentro deste amor pela arte e também desenvolveu o dom de imaginar e escrever histórias. Era como se os sonhos de mãe e filha se completassem em um grande encontro de almas. Uma se refletia na outra. “Um Ponto Rotineiro” foi uma das dez histórias selecionadas pelo projeto.  

Ao longo de quatro dias, de quinta-feira (02/03) até domingo (05/03), as duas viveram juntas as emoções de transformar uma história em filme. As gravações aconteceram em Baixo Guandu (ES), mobilizando a comunidade, envolvendo a participação de familiares e amigos em funções técnicas e artísticas. Mas para entender os caminhos até aqui é preciso voltar no tempo. 

Os caminhos 

Aos 19 anos Hosana teve Jaslinne. Fruto de um relacionamento que não deu certo. Mesmo assim assumiu os cuidados com a filha contando com o apoio de seus pais, irmãos, alguns familiares e amigos mais próximos. Jaslinne tinha dois anos e cinco meses quando sua mãe se casou com Eliseu Gomes da Cruz, com quem teve duas filhas, a Luandra e a Tácyla. O esposo acolheu a primeira filha de Hosana como sua primogênita.  

Depois de enfrentar dificuldades financeiras, a família conseguiu se estabilizar e se manter unida. No entanto, uma tragédia mudou tudo. “Eu tinha 12 anos de idade. Meu padrasto estava trabalhando como segurança da obra de um viaduto quando foi surpreendido pelo agressor que o atingiu com tiros. Chegou a ser socorrido, levado para o hospital, mas não resistiu aos ferimentos. Quando veio a notícia da morte, eu entrei numa espécie de choque e saí perdida pelas ruas da cidade. Após a morte do meu padrasto, eu tive uma queda no rendimento escolar e nos meus relacionamentos sociais. Era como se parte do que a gente sempre fazia deixasse de existir”, conta Jaslinne.  

Sua mãe Hosana passou a trabalhar como professora em três turnos para sustentar as três filhas, Jaslinne (12 anos), Luandra (8 anos) e Tácyla (7 anos). “Quando o meu marido faleceu, meu mundo desabou. O meu e o delas também. Eu não sabia o que fazer com três filhas pequenas. Eu sempre fui muito protetora, principalmente, a partir da perda do meu marido, pois tive de trazer a responsabilidade dele pra mim. Eu quis compensar essa perda que nós tivemos e que foi irreparável”, relembra Hosana, que trabalha hoje como agente de saúde numa unidade pública.  

Aos 22 anos, Jaslinne deu à luz a um menino, Bernardo, hoje com quatro anos de idade. Apesar das alegrias da maternidade, mãe e filha encararam a morte consecutivamente com a perda brusca de familiares que representavam um apoio emocional no enfrentamento e na reconstrução de suas vidas. Hosana perdeu o esposo, mãe, pai, madrasta, dois irmãos, assim como Jaslinne perdia o padrasto, as avós, o avô, os tios e o primo.  

Mãe e filha precisaram se resgatar. Ainda mais conectadas, elas encararam os ventos da jornada para reconstruir os caminhos. “Minha mãe é simplesmente tudo para mim. Ela é mais que um incentivo de vida e de sonhos. Se fosse para defini-la em uma palavra seria na palavra possível. Sempre a vi como uma pessoa batalhadora e guerreira em tudo que fazia. Mesmo se as oportunidades não fossem dadas a ela, ela criava oportunidades e seguia em frente”, declara Jaslinne. 

A retomada 

Jaslinne percebeu no fluxo da vida e da morte um movimento divino de aprendizado sobre a existência humana e o propósito de vida. Todas essas vivências inspiraram a autora a escrever a ficção “Um Ponto Rotineiro”. No filme que acaba de ser gravado, em Baixo Guandu (ES), a protagonista Laura, baseada na vida da autora, atravessa atribulações para tentar reencontrar sua vontade de viver.  

“Eu sempre enxerguei um lado artístico na Jaslinne. O talento dela aflorava em diferentes áreas. Ela escrevia, cantava e interpretava. E como eu sempre escrevi, penso que ela se identificou muito comigo porque a escrita foi um dos dons que desenvolveu, assim como canto e a composição musical. Acho que ela via em mim uma base de apoio para aquilo que, no fundo, já havia dentro dela”, declara Hosana.  

Hosana conta que todo o processo de construção do filme, desde as oficinas audiovisuais até as atividades de pré-produção para as gravações, impulsionou sua filha em direção ao sonho de se tornar uma artista profissional. “É uma satisfação pra mim ver essa Jaslinne cheia de talentos, mas que estava guardada dentro dela mesmo, intimidada pelas coisas do tempo, pelos problemas da vida, por tudo o que aconteceu, começar a desabrochar. Esse projeto veio revelar uma pequena parte daquilo que ela é. E eu fico muito satisfeita e orgulhosa. É um pedaço de mim que está aí se revelando pra honra e glória do Senhor”, celebra Hosana.  

No último dia de gravação, no domingo (05/03), equipe de captação de imagens e de som, as produtoras e a produção local se dedicaram a completar as cenas externas com a presença de grande elenco. Após a tensão e os imprevistos dos primeiros dias, era possível relaxar um pouco e celebrar as conquistas. Hosana se manteve próxima para acompanhar cada uma delas.  

“Acho que o motivo de eu amar a arte de criar histórias é por me basear nas histórias de vida da minha mãe. Ela sempre foi várias personagens, mas na vida real a personagem que mais a marca é simplesmente ser Mãe. Olhar pra ela me faz acreditar que posso chegar aonde eu quiser mesmo que pareça impossível para mim. Olhar pra ela me faz lembrar que é possível, sim, alcançar qualquer coisa”, completa Jaslinne.  

Texto: Simony Leite Siqueira 

Fotos: Gustavo Louzada 

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