Produção: a engrenagem que move o filme

Um filme começa com uma ideia, toma forma de roteiro e se transforma em imagem e som. Para que uma obra audiovisual possa transportar o espectador para diferentes mundos é preciso movimentar uma engrenagem que envolve planejamento, organização, cuidado e compromisso.

A produção é o setor responsável por acompanhar todas as etapas de realização de uma ficção e de um documentário desde a pré-produção, a produção até a pós-produção.

Nesta entrevista, o professor adjunto de Direitos Humanos, Inclusão e Educação da UERJ/FFP, Alexandre Guerreiro, professor de produção para ficção, convidado para ministrar aulas para a turma de autores do Curta Vitória a Minas II, conversa sobre como um trabalho de produção organizado pode contribuir para o sucesso de uma obra audiovisual.

CVM – Qual a importância da etapa da produção para a realização audiovisual?

Alexandre – A produção é fundamental para realizar a ideia de uma obra audiovisual. É preciso colocar o pé no chão e entender o que é possível realizar. Na primeira fase da criação do roteiro e do desenvolvimento da história, da narrativa, muitas vezes, não temos tantas preocupações, e nem temos a dimensão do quão é complexo colocar um filme de pé.

A produção é a fase em que começamos a imaginar e a dimensionar como vamos de fato, no mundo real, transformar tudo o que se sonhou e desejou em som e imagem. Esse é o momento de concretude, de entender as etapas, de ver que temos um período de pré-produção, que precisamos preparar tudo para filmagem, e que quanto melhor for essa preparação, mais fluido e harmônico será o período de filmagem.

Alguns imprevistos e dores de cabeça que, às vezes, ocorrem no set, podem ser evitados. Para que possamos curtir mais todo o processo de se fazer um filme, precisamos nos preparar através de um bom planejamento.

CVM – Pra esses autores que estão preparando suas primeiras obras de curta-metragem, quais os cuidados básicos e quais as etapas fundamentais do trabalho da produção?

Alexandre – A história do cinema está repleta de exemplos de grandes cineastas que fizeram seus primeiros filmes e realizaram verdadeiras obras primas. Portanto, fazer um primeiro filme tem que ser algo estimulante, que coloque nossa criatividade a todo vapor. Ao mesmo tempo, é preciso equalizar a criatividade e os recursos disponíveis. Nesse sentido, conseguimos até desenvolver mais a criatividade diante de algumas limitações. É fundamental perceber que precisamos de uma organização e, também, entender a dinâmica da pré-produção, para conseguir construir as próximas etapas, tanto a filmagem quanto a pós-produção.

Não produzir bem na pré-produção pode nos trazer problemas futuros. Por exemplo, estamos construindo o plano de filmagem sempre usando o critério da locação como um elemento que vai aglutinar as cenas num determinado dia de gravação para que a equipe tenha mais tranquilidade ao longo do processo. Em geral, não se opta por fazer uma cena numa locação, depois em outra, pra no final, voltar para a locação anterior, ao menos que haja um motivo muito forte pra isso.

Todos estes cuidados estão dentro de uma lógica de economizar tempo, dinheiro, energia e, essa economia reverte positivamente para o projeto em todos os sentidos, evitando a correria e estresses desnecessários. A produção tem a função de trazer esta tranquilidade e segurança.

No primeiro filme, não precisamos ficar inseguros. Somos mobilizados por um desejo de fazer. Isso não pode virar um sofrimento. É pra ser bom, prazeroso, pra aglutinar, pra desenvolver afetos e conexão entre pessoas da cidade. Essa é a principal função da produção para trazer as coisas boas do processo de se fazer um filme.

CVM – Existem vários elementos em comum aos filmes, mas cada obra exigirá uma produção personalizada para as situações específicas que serão enfrentadas por cada autor ou autora. Como estão as aulas de produção de acordo com as necessidades de cada filme?

Alexandre – Quando a gente trabalha com produção em oficina tem essa questão. Todos os filmes, independente do modelo de produção que estamos pensando, têm demandas que são comuns: produção dos equipamentos, formação da equipe, pesquisa de locação, identificação e organização dos objetos, entre outras situações.

Em qualquer lugar do mundo, cada projeto traz suas especificidades. Entender essas demandas é fundamental pra conseguir solucionar os entraves que vão surgindo. Por exemplo, vamos supor que precisemos executar um plano de câmera mais complexo e a direção não quer abrir mão porque tal plano carrega um determinado significado pro diretor, que sonha ver aquilo realizado em forma de filme. O que fazemos na produção é viabilizar isso da melhor maneira, independente se é um curta ou longa, tendo um baixo ou um orçamento astronômico.

CVM – O que uma produção mal realizada pode acarretar à obra?

Alexandre – O resultado do filme de alguma maneira pode não tocar o coração do público. E isso, às vezes, tem a ver com uma correria na execução, com um clima de estresse que se instaura no ambiente da produção e que pode afetar o resultado final. No caso do Curta Vitória a Minas, a harmonia entre as equipes virá do entendimento de que o filme também é da cidade inteira, da equipe inteira. Não fazemos cinema sozinho.

Em uma era com o individualismo tão aguçado, o cinema, neste sentido, esse cinema de afeto, é uma possibilidade de a equipe do filme se encontrar como coletivo. É entender que temos um desejo que partiu de uma pessoa de contar uma história, mas que todos embarcam para realizar o filme. Todos os componentes têm uma contribuição nesta realização audiovisual. Na oficina de produção, por exemplo, assistimos à cena de um filme e buscamos fazer o caminho oposto para compreender o quanto de produção aquela imagem demandou.

CVM – O Curta Vitória a Minas é um projeto de fortalecimento territorial e de valorização das histórias que partem de experiências e motivações individuais, mas que traduzem uma vivência coletiva nestas cidades. Quando voltarem pra suas cidades, os autores vão mobilizar moradores para funções técnicas e artísticas do filme. O que representa a produção num projeto que conta com o desejo de fazer parte de um coletivo?

Alexandre – O projeto tem uma perspectiva de inclusão fundamental: fazer cinema na nossa cidade e entender que esse é o nosso lugar. Eu quero, a nossa cidade quer e as pessoas querem fazer. A gente que opta por um cinema alternativo ganha muito mais e ganha para a vida inteira com um projeto como esse, que é inclusivo e de pertencimento à cidade.

E, nesse sentido, precisamos ocupar os espaços que, muitas vezes, a sociedade diz pra não ocuparmos. Fazer cinema é uma destas questões. Muitas vezes, achamos que não é pra gente, que não é pra nossa cidade, que vivemos numa cidade menor, que não tem recursos, não tem o conhecimento necessário pra fazer, e isso pode ser algo que nos engessa e não nos deixa mobilizar. Estes autores e autoras são vitoriosos. Essa perspectiva inclusiva e de afirmação vale muito mais que qualquer cachê e marca profundamente a todos e todas.

CVM – A escrita da história e a do roteiro, muitas vezes, é um momento bem particular. Esse momento da produção vai trazer toda essa dimensão de coletividade e inclusão.

Alexandre – Esse retorno para as cidades, com essa bagagem das oficinas, é fundamental. Será o momento de mobilizar, de chegar e fazer todo mundo se apaixonar pelo projeto, pela ideia de fazer cinema e se apaixonar mais pela sua cidade, pela sua comunidade.

Esse movimento está dentro da etapa da pré-produção que, muitas vezes, na indústria do cinema, se faz de uma maneira mais mecânica, muito voltada pra questão dos custos, porque sabemos o quanto é dispendioso fazer cinema, mas esse movimento de mobilizar a cidade é muito particular de um projeto social e cultural como esse.

As pessoas passam a se conhecer, se conectam, descobrem talentos, se tornam amigas. É o afeto que nos mobiliza. Essa questão de estar fora de um modelo industrial e de fazer cinema aonde supostamente não se faria, ou seja, fora dos centros urbanos e dos polos de produção, estimula a inclusão, a democratização do acesso ao fazer cinema e essa uma perspectiva de afirmação da diversidade, da diferença, de um país que é plural e que precisa mostrar sua cara. E o cinema é uma destas formas de se mostrar.

Texto: Simony Leite Siqueira

Fotos: Gustavo Louzada

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