Organizar e selecionar: o desafio da edição

O Curta Vitória a Minas II concluiu mais uma etapa do projeto de fortalecimento territorial e comunitário de cidades localizadas no entorno da Estrada de Ferro Vitória a Minas. Os dez curtas-metragens criados a partir de histórias contadas por moradores de cidades capixabas e mineiras estão prontos para serem exibidos numa telona em sessões abertas e gratuitas. Durante a edição, cada autor, acompanhado por uma profissional da montagem, acumulou mais um aprendizado sobre a realização audiovisual.

O vendedor Fabrício Bertoni criou uma ficção inspirada em um acontecimento histórico de Colatina (ES): a retirada dos trilhos da ferrovia do centro da cidade, nos anos 70, para organizar e melhorar a circulação urbana. Na obra, mãe e dois filhos, que vendem cocada na estação para sobreviver, acompanham essa transformação que vai impactar a vida de todos.

O exercício de elaborar um roteiro, gravar e, em seguida, editar a história trouxe uma vivência inédita para o morador. “Foi uma das melhores experiências da minha vida, desde o começo, com a seleção da minha história, a participação no curso audiovisual, seguido da prática de fazer um filme, de ir para o set de filmagem junto com os atores da minha cidade. Agora, o mais emocionante, poder editar, juntar tudo na edição. Foi uma experiência enorme e gratificante!”, relata Fabrício.

A hora da montagem traz a satisfação de ver o filme tomando forma, porém, vem acompanhado de um aperto no peito diante da tarefa de organizar e selecionar o que entra e o que não entra no curta-metragem. “É nesse momento que vamos selecionar, ordenar e ajustar tudo aquilo que a gente gravou durante todo esse tempo. O mais difícil talvez seja escolher aquelas cenas que compõem um curta de quinze minutos, é construir a minha história de forma que seja mais honesta ao meu roteiro. Com tantas horas de gravações, fica meio difícil escolher. Dá vontade de fazer um filme maior. Mas, foi emocionante e agradeço muito por esta experiência”, relata Rita de Cácia Bordone, moradora de Ipatinga (MG), diretora da ficção “Santa Cruz”, baseada em suas memórias de infância ao lado da saudosa mãe, Maria Pires de Faria.

A revolução da ideia

Perceber a ideia original se aperfeiçoar no processo de criação de um filme é uma das grandes vivências da realização audiovisual, na opinião do biólogo Luã Ériclis, diretor da ficção “O T-Rex e a Pedra Lascada”. A ficção é uma aventura em torno de uma antiga lenda sobre os poderes guardados pelo espírito dos grandes dinossauros adormecido nas raízes de uma gameleira. Por meio de uma história de magia e fantasia, o autor costura elementos como a ancestralidade, os laços de pertencimento, a conexão com a natureza e o encantamento da infância.

“Na montagem, muita coisa mudou e nada mudou ao mesmo tempo. Seria como uma moeda de dois lados. É bom que mude porque a gente chega com uma ideia muito crua e, a partir desta história, vamos aprender a roteirizar, a dirigir, a trazer uma identidade visual. Então, passamos por esse processo criativo durante o momento teórico do curso. Depois, vamos para gravação. É ideal e saudável mudar para que a ideia que trouxemos, originalmente, no final, resulte em uma outra coisa nova e surpreendente. Ao mesmo tempo, buscamos neste processo preservar de modo mais fidedigno possível as memórias afetivas mais profundas que inspiraram a criação da história”, esclarece Luã.

Cinema como voz e visibilidade

O Concurso de Histórias do Curta Vitória a Minas II chegou à vida da contadora Patrícia Araújo, moradora de Coronel Fabriciano (MG), após um período de muita dor e tristeza diante da perda trágica de entes queridos. A oportunidade de transformar em filme as histórias de luta e superação das gestantes em situação de vulnerabilidade social atendidas pelo Instituto Brasileiro Missão de Mãe (IBM Mãe) reacendeu a esperança e a motivação da contadora que se dedica como voluntária ao trabalho social.  

“Foi maravilhoso fazer o filme na comunidade em que eu nasci, contar um pouco sobre a vida e o cotidiano de mães adolescentes, que engravidaram aos 17 anos, poder ver o amor delas por estas crianças, apesar das dificuldades e das situações financeiras difíceis que elas vivem, e poder expressar o cuidado que o projeto tem com essas mães”, conta Patricia, autora da história “Um Olhar para a Maternidade”.

A jornada até a sala de montagem foi repleta de aprendizado porque envolveu a criação das histórias, as oficinas audiovisuais, a produção e a gravação. A edição é um passo novo desta maratona de construção do filme. “Foram quase sete horas de material gravado. Como transformar estas sete horas em quinze minutos? Era realmente muita informação, pois o filme tratava de muitos temas: gravidez na adolescência, violência obstétrica, infância. E, graças a Deus, e com a ajuda das editoras do projeto, conseguimos costurar o filme de uma forma incrível. Ficou muito bom!”, declara a contadora.

Novos olhares

Quem também viveu uma nova experiência foi o jornalista Nilo Tardin, morador de Colatina, selecionado com a história “Colatina, a Princesa do Rock”. Habituado a contar histórias no formato de notícia e reportagem escrita, o jornalista navegou por novos mares para destrinchar o universo cinematográfico. “A experiência de montar o filme foi bem divertida. Após quatro dias de gravação, compactar tudo que foi filmado exigiu paciência, dedicação e profissionalismo. Costurar as imagens e alinhavar o som resultou numa explosão de tecnologia, rodeada de emoção”, conta o autor.

Nilo considerou instigante documentar as raízes de uma rebelião musical ocorrida nos anos 60, por meio do pioneirismo dos “The Jet Boys”, a primeira banda capixaba de Rock’n’Roll, nascida em terras colatinenses. “Esse movimento refletiu nos costumes, no comportamento, na moda, na economia e na identidade cultural. A ilha de edição do filme ficou repleta de imagens sensacionais, conectadas no ritmo das histórias em quadrinhos. Vida longa ao Rock’n’Roll!”, celebra o jornalista.

Construção coletiva

Cada grupo de filmes contou com o acompanhamento de profissionais da edição de renome nacional. A equipe é composta por Márcia Medeiros, Luelane Corrêa, Flávia Celestino, Cintya Ferreira e Mariana Lima.

O curta-metragem “Lia, Entre o Rio e a Ferrovia” conta a história de uma menina apaixonada por ler e ouvir histórias cujo sonho é ultrapassar os limites da cidade marcada pela presença do rio e da ferrovia. Para criar o enredo, a professora e comunicadora Elisangela Bello, moradora de Aimorés (MG), mergulhou em lembranças da sua trajetória de vida. Segundo a autora, o processo de edição é quase uma coautoria, exige responsabilidade da pessoa que ajuda a montar e, ao mesmo tempo, uma relação de confiança.

“Como a Flávia (editora) é muito experiente, eu fiquei encantada com o recorte que ela já fez, porque se comunicou com o que eu tinha pensado, não somente por conta do roteiro, mas por conta do material que ela tinha em mãos também. Então, assim, foi uma experiência muito legal que eu já tinha vivido pelo texto, mas eu nunca tinha vivido pela imagem nesta proporção. Foi uma experiência muito legal, aprendi muito com a Flávia, fiquei muito feliz de conhecê-la e eu espero que as pessoas também gostem”, relata Elisangela.

Moradora de Baixo Guandu (ES), a estudante de Artes Visuais, Jaslinne Pyetra Matias, está realizando o sonho de fazer o filme “Um Ponto Rotineiro” através do Curta Vitória a Minas II. Desde a infância, ela sempre se imaginou em diferentes áreas da realização de uma obra audiovisual, em especial, na produção, na direção e na atuação. Apesar de se aventurar na edição de pequenos vídeos, ela se surpreendeu com a experiência da montagem.

“Uma coisa é filmar, atuar. A outra coisa é estar sentada à frente do computador juntando algumas peças. Ficou incrível a forma como saiu da cabeça e virou realidade, como aprimorou ainda muitas coisas porque a primeira ideia é sempre um pouco mais seca. Quando a gente vai pensando melhor, vai acrescentando algumas coisas para o melhor crescimento. E isso foi algo que eu gostei bastante. E eu só tenho a agradecer a toda equipe, ao projeto, pela realização deste sonho”, declara Jaslinne.

Texto: Simony Leite Siqueira

Fotos: Patricia Cortes

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