Histórias de vida de mulheres grávidas em situação de vulnerabilidade social movimentaram Coronel Fabriciano (MG) na última semana com a gravação do filme “Um Olhar Para a Maternidade”, da diretora Patrícia Araújo, selecionada pelo Concurso de Histórias do Curta Vitória a Minas II. Ao todo, dez moradores de cidades que se desenvolveram no entorno da Estrada de Ferro Vitória a Minas estão transformando histórias em ficções e documentários de curta-metragem através do projeto.
O documentário traz histórias de gestantes, ao mesmo tempo, mostra o trabalho de apoio e acompanhamento oferecido às grávidas pelo Instituto Brasileiro Missão de Mãe (IBM Mãe), uma instituição privada sem fins lucrativos. Patrícia chegou à entidade há quinze anos para atuar como voluntária. O acolhimento que recebeu a ajudou a superar um momento de turbulência emocional por causa do luto pela perda da mãe e os desafios com o nascimento tão sonhado da primeira filha. Depois de muitos percalços, como a instalação do serviço na garagem da casa da voluntária para evitar o fechamento, a entidade luta hoje para manter a missão de ajudar na cura e na transformação destas mulheres.
“Muitas vezes, essa mulher nos passa uma imagem de mãe super feliz, mas, a partir do trabalho individual, por meio desta conversa mais próxima, uma a uma, ela começa a se sentir segura para abrir o coração e falar sobre suas aflições. Esse espaço foi construído para receber gestantes, porém, é, principalmente, um lugar para acolhimento de cada mulher, um momento que essa mãe reserva pra ela”, explica Patrícia.
Os pilares
Três pilares sustentam o trabalho do Projeto Acolher desenvolvido pelo IBM Mães. Um deles é o atendimento oferecido à recém-chegada, esse primeiro acolhimento das dores, medos e angústias da mulher. O outro pilar é a rede de apoio que se forma nas rodas de conversa, com o acompanhamento da psicóloga, através dos quais as mulheres podem falar ou não sobre seus dramas e ouvem os dramas vividos pelas outras participantes, num fluxo afetuoso de troca de novos olhares e novas impressões em torno de diferentes questões. No aconchego destes encontros, elas ainda conversam sobre os direitos das gestantes e os valores na relação entre mãe e filho. As mulheres têm ainda a oportunidade de um atendimento individual com a psicóloga.
A necessidade de se doar e aprofundar seu propósito de vida levou a psicóloga Marlucy Morais ao projeto em setembro de 2021. A profissional, que também atua como voluntária no espaço, é formada em psicologia pelo Unicentro Newton Paiva, em Belo Horizonte, com especialização em Clínica Psicanalítica na Contemporaneidade pela Unileste (MG).
Para Marlucy, o projeto lhe proporciona uma experiência marcante de aprendizado mútuo porque os desafios a impulsionam a uma busca constante de aperfeiçoamento do trabalho. A psicóloga conta que, muitas vezes, as mulheres chegam com sentimentos de culpa, vergonha, indignação ou raiva, medos e incertezas provocados por situações particulares, como gravidez não planejada, ou a falta de apoio do parceiro ou da família, violência psicológica, física e/ou obstétrica, conflito familiar ou pessoal.
“Diante dessa complexidade de fatores, as rodas de conversa e o acolhimento individual contribuem para uma tomada de consciência do seu lugar no mundo para que elas possam ressignificar suas experiências e se sentirem mais fortalecidas e empoderadas como mulheres e como mães. E esse é nosso papel, facilitar esse processo, oferecendo uma escuta qualificada e os recursos da dinâmica do grupo”, avalia Marlucy.
Um terceiro pilar de sustentação das atividades é a arteterapia, um espaço de exercício da expressão, da criatividade e do cuidado, com a produção dos sapatinhos de bebê, todo costurado à mão, além da feitura de caixinhas de higiene, utilizando materiais recicláveis, como caixa de leite, papelão e EVA. “É uma arteterapia feita de um jeito simples, sem luxo. À medida que ela vai produzindo aquele sapatinho que seu filho vai usar, aquela caixinha que enfeitará o quartinho dele, isso vai gerando um amor pela criança, uma superação de tudo o que passaram, e ela vai descobrindo seu próprio poder”, destaca Patrícia.
O Projeto Acolher, dentro do IBM Mãe, funciona todas as quartas-feiras, das 14 às 16 horas. As gestantes podem se inscrever de modo gratuito na sede da entidade, situada à Rua Afonso Damasceno, nº 785, Bairro Nazaré, Coronel Fabriciano (MG).
Final das gravações
“Um Olhar Para a Maternidade” é a sétima obra a ser gravada pelo Curta Vitória a Minas II. As filmagens começaram na quarta-feira (08/03) e terminaram neste sábado (11/03). Assim como aconteceu nas outras cidades participantes, os dias de gravação em Coronel Fabriciano foram intensos e envolveram uma rede de colaboração e muita troca de experiências entre a equipe de profissionais de cinema e os integrantes da produção local. Foram quatro dias de filmagens em diferentes turnos do dia e da noite, de acordo com o plano de filmagens, uma programação suscetível a mudanças frente aos imprevistos do caminho.
“A experiência de gravar um documentário foi incrível. Antes, eu imaginava apenas exibir filmes de outros realizadores. Mas nunca imaginei um dia fazer meu próprio filme. Eu curti muito esse período de gravação, nos últimos dias, lado a lado da comunidade, corpo a corpo, ouvindo as histórias das mulheres, ouvindo as crianças. Foi muito gratificante!”, avalia Patrícia Araújo.
A realização do filme contou com o apoio local da Unidade Básica de Saúde do Morro do Carmo, da Secretaria de Governança Educacional e Cultura e da Secretaria Municipal de Turismo de Coronel Fabriciano. O Curta Vitória a Minas II deixa um agradecimento especial às gestantes e suas famílias, ao Israel e a Miliane, ao Vavá, à família da diretora e a toda a comunidade do Morro do Carmo. Após a montagem e finalização, o curta-metragem será exibido numa telona de cinema montada ao ar livre durante sessão aberta e gratuita para a comunidade.
Texto: Simony Leite Siqueira
Fotos: Gustavo Louzada