Ibiraçu (ES) relembra antigos conflitos vividos por famílias italianas na cidade

Há 150 anos desembarcava, no Porto de Vitória, o primeiro grupo de imigrantes vindos da Itália, marco oficial da chegada em massa do povo italiano ao Brasil. O ano era 1874 e as famílias a bordo do navio à vela “La Sofia” adentraram o lugar movidas pelo sonho de uma vida melhor. Os novos habitantes impulsionaram o desenvolvimento socioeconômico brasileiro nas áreas da agricultura, indústria e comércio e trouxeram contribuições para a cultura, a arte, a arquitetura, a gastronomia e para as relações sociais.

Nesta terceira edição, o Curta Vitória a Minas III escolheu para transformar em filme uma história de ficção baseada em fragmentos de fatos reais contada pelo professor e policial federal Otávio Maioli. Inspirado pelas histórias ouvidas do avô Wilson Maioli, o autor resgatou as memórias das famílias de imigrantes que fundaram os primeiros núcleos de colonos italianos na cidade de Ibiraçu (ES). As gravações começaram na sexta-feira (28/06) e terminaram no domingo (30/06).

De um jeito cômico e envolvente, o filme abordará como duas famílias vizinhas produtoras de café, uma delas formada pelo casal Giácomo e Ilária, e a outra pelo casal Giuseppe (Beppe) e Domênica, reagiram a um conflito de fronteiras gerado por uma disputa de terras. Para transformar esta história em filme, o diretor contou com o intenso envolvimento dos moradores distribuídos em diferentes funções dentro da produção cinematográfica.

Segundo a professora de Português e Literatura, Maria Gorette Vescovi Matiuzzi, 55 anos, descendente de imigrantes italianos, convidada para viver o papel da Ilária, os conflitos tratados no filme permeiam muitas histórias ouvidas e contadas com frequência no cotidiano da comunidade. “Eu achei muito interessante que este tema se tornasse filme, uma vez que era uma situação bastante comum no período em que os italianos chegaram ao Espírito Santo e iam se estabelecendo, ganhando seus pedaços de terra, cultivando-as, então, eram histórias que de fato aconteciam”, relata a professora.

Para se preparar para o papel, ela conversou com parentes mais antigos sobre como eram as disputas por terrenos nos tempos passados, estudou as cenas e as falas do roteiro, buscou ajuda de pessoas com domínio da língua italiana para entender as pronúncias, as entonações, pois sua personagem era uma das imigrantes que vieram recomeçar a vida no Brasil no final do século XIX.

“Fui estudando desta forma e ficando cada dia mais ansiosa por gravar as cenas. Quando a gente vai gravar, a experiência se torna ainda mais incrível. Eu sabia que não se grava e se acerta de primeira. Mas eu não conhecia esta questão dos planos cinematográficos em que se filma a cena toda por um ângulo, depois por um outro ângulo, depois se faz tomadas separadas da mesma cena, gravando somente um personagem falando tudo o que já havia falado em outra gravação. Então, assim, é muito diferente do que eu pensei”, relata Gorette.

Para a professora de Educação Infantil, Elza Maria Baptista, 58 anos, habituada aos bastidores das peças de teatro organizadas na igreja, o convite lhe trouxe a oportunidade de atuar pela primeira vez no cinema. Assistiu a novelas antigas, relembrou o sotaque da professora do curso de italiano feito há anos e treinou muito as falas em casa. “O mais difícil foi ficar em frente à câmera. Também foi difícil gravar porque é uma língua diferente. Quando se está ensaiando, tudo fica ótimo. Na hora de gravar, parece que some tudo da cabeça. A timidez veio com tudo. Em algumas cenas precisei me concentrar um pouco mais como na gravação do terço na capela. Isso porque eu tinha que rezar em italiano e as pessoas que estavam ao meu lado rezavam em português”, conta Elza. Apesar da timidez e do nervosismo, ela achou maravilhosa a experiência de participar do filme, agradeceu ao diretor pela oportunidade e a confiança e a toda equipe pela paciência e atenção com o elenco.  

Aos 60 anos de idade, o administrador Gilberto Rosalém Júnior recebeu com muita alegria o convite para interpretar Giuseppe, o Beppe. “A preparação para fazer o filme foi muito gostosa porque você começa a reviver aquela história e quer fazer o seu melhor para desenvolver este papel para que as pessoas possam entender através do seu personagem como foi esta vivência. A história do filme é massa porque retrata o que viveram os nossos antepassados”, destaca Beto, como é conhecido na cidade.

Quem também se sentiu honrado por participar do curta foi o administrador Elias Pignaton Recla, 67 anos. Ele estudou e revisou o texto das falas várias vezes para interpretar o personagem Giácomo. Na opinião do descendente de imigrantes italianos, o set de filmagem é interessante, desafiador e trouxe as lembranças das histórias memoráveis contadas pelos nonos e nonas. “Meu personagem é um tanto difícil, demonstra as aberrações do que acontecia naquela época por um pedaço de terra. O filme mostra que havia carência de diálogo, ganância e a ignorância, situações representadas por ambos os protagonistas da história”, destaca Elias.

Desde a pré-produção até as gravações, o autor, o elenco, a equipe local de produção, sempre com o acompanhamento dos profissionais do Instituto Marlin Azul, se dedicaram para cuidar de cada detalhe do filme. O esforço coletivo, colaborativo e comprometido contagiou e motivou os participantes. “Estou muito encantada com a troca entre o elenco, um ajudando o outro. A própria equipe técnica dava dicas muito boas para que as cenas saíssem cada vez melhores. O fazer e o refazer as cenas para melhorar, então, é tudo muito encantador. É incrível como as pessoas colaboram, cedem as suas casas e até ficam do lado de fora e nos deixam lá dentro para que possamos gravar. O silêncio que precisa existir no momento de uma gravação para que o som seja captado da melhor forma possível, tudo muito incrível. Eu sabia que era trabalhoso, mas não imaginava que seria tão trabalhoso assim, mas, um trabalhoso cheio de encantamento e de prazer”, destaca Gorette.

Na avaliação de Otávio, dirigir um filme é complexo porque envolve diversas variáveis, entre elas, fazer escolhas a todo o tempo, optar por alternativas de acordo com as condições do ambiente, lidar com imprevistos, com situações inusitadas, ao mesmo tempo, gerir tanto o elenco quanto a equipe. Depois dos conhecimentos adquiridos no curso preparatório, dos dois meses de pré-produção, dos três dias de gravação, da dedicação do elenco e da equipe local e do profissionalismo e da parceria com a equipe de profissionais do Instituto Marlin Azul, o diretor da obra comemora o resultado das gravações que superaram as suas expectativas, abrindo caminho para novos aprendizados.

“Um aspecto interessante foi a possibilidade de alterar um pouco o que eu tinha projetado dentro das condições pra fazer. Nas conversas com a equipe técnica, eu recebi excelentes alternativas para o filme. Eu pude dar mais atenção a coisas que antes eu não estava tão atento e, ao mesmo tempo, pude deixar de fora coisas que eu achava importante, mas que não eram tão essenciais assim. Acho que a exibição do filme na cidade será muito marcante, vai envolver as pessoas e causar uma transformação significativa na relação delas com o cinema, o audiovisual e com a área cultural que é apaixonante. Estou muito satisfeito, muito feliz e agradeço demais a todos que se envolveram”, completa Otávio Maioli. 

Texto: Simony Leite Siqueira

Fotos: Equipe IMA

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