Emoções de carnaval mobilizam comunidade de Nova Era (MG)

Quem ama os dias de folia tem sempre uma boa história para contar. Uma memória de carnaval guardada há 22 anos em Nova Era (MG) está prestes a ser revelada em filme através do Curta Vitória a Minas III. As gravações do curta-metragem “Revelações de Carnaval”, da turismóloga Sandra Maura Coelho, mobilizou e emocionou a comunidade de 29/06 a 01/07.

O filme reviverá as aventuras de Ana Rabo e Zé Bundão durante um desfile carnavalesco no ano de 1992. E a história foi assim: duas amigas adolescentes inventaram os dois personagens para conseguirem brincar (e aprontar) pelas ruas, escondidas das famílias, no Bloco Boca de Gole, aquele tradicional bloco sujo comum em todo lugar. Como as meninas prepararam o plano, de que forma conseguiram enganar a cidade e como um acontecimento inesperado naquele dia marcou a vida da dupla? Isso só o filme vai contar.

O bar e o Seu Raimundo

Uma das cenas mais marcantes acontece dentro do Bar Central, ponto de encontro dos foliões daquele tempo. O estabelecimento foi comandado por muitos anos pelo pai da diretora, Raimundo Fernandes Coelho, um dos personagens homenageados na história, figura saudosa na cidade. “A memória do bar me acompanha desde a infância. Eu vivia lá dentro brincando de totó e papai tinha um baleiro que podia pegar bala à vontade e levar para os amiguinhos. Apesar de muitas dificuldades, ele amava muito o que fazia. Ele sempre foi pra mim uma referência de amar e gostar do que faz”, recorda a autora.

Como quase não há fotos nem vídeos da época, o arquiteto e arte educador Dimas Volpato, 38 anos, responsável pela cenografia, criou os ambientes a partir da memória afetiva da autora. A caixa registradora, a estufa com torresmo, o quadro do time do coração, as grades de cerveja, os discos de vinil, os recortes de jornais e outros elementos ajudaram a recuperar a atmosfera dos anos 90. “São duas moças vivendo uma grande aventura de carnaval, com grandes dilemas que vão surgindo ao longo da trama. Isso é muito cativante. O que mais me destacou de positivo foi não só a cenografia, não só o resgate das memórias, mas ver a participação de todas estas pessoas vivendo uma pequena nostalgia, aquele pequeno momento de sua história num tempo antigo”, destaca Dimas. 

Seu Raimundo é interpretado no filme pelo gestor ambiental Flamínio Guerra Guimarães. Nascido em Nova Era, amigo da família, Flamínio conviveu ao longo da vida com o antigo comerciante cujo bar ficava cerca de cem metros do comércio do seu pai. Sentiu-se feliz por representá-lo e por ajudar a contar uma história marcante na trajetória da amiga durante a transição da adolescência para a juventude nos tempos dos celebrados carnavais da cidade. “Seu Raimundo era um pacato cidadão nova-erense, uma pessoa calma, polida, de boa prosa, que criou sua família, suas três filhas, junto com a esposa (Dona Neide). Era responsável, com boas relações pessoais, comedido, não tinha excessos. Isto o fez dele uma pessoa ímpar, com seu sorriso largo, que sempre teve no bar o seu ponto de encontro com as pessoas. Era um cruzeirense doente, mas um sujeito boa praça”, descreve o gestor ambiental.

O assistente do comerciante, na época, Isaías Lândio da Silva, 53 anos, sentiu-se honrado com o convite para reviver sua própria vida e homenagear um amigo, um companheiro, uma pessoa que estimava como um pai. “O Raimundo sempre foi um ótimo comerciante e uma ótima pessoa. Ele sempre me falou que dono de bar tem dias que tem que virar psicólogo porque é muita coisa que a gente ouve no boteco e ele também falava que todos os donos de bar tinham que escrever um livro. Este era o Senhor Raimundo”, conta Isaías, que hoje comanda um dos bares que o amigo havia administrado.

Tia Edite, a parceira das aventuras

Outra saudosa personagem homenageada no filme é a tia Edite, uma das comparsas das meninas na aventura, integrante do Bloco Maravilha, da Delegacia de Ensino de Nova Era. O papel foi assumido pela Polyana Maria Costa, 54 anos, prima da diretora, que havia interpretado uma freira no filme “A Carta”, de Márcio Firmo, selecionado na primeira edição do Curta Vitória a Minas.

“Tia Edite era uma pessoa simples, muito alegre, gostava de carnaval. Desta vez, eu me senti mais insegura para interpretar o papel porque eu tinha que dar gargalhada logo que entro em cena e me deparo com as meninas. Depois que conseguimos fazer a cena, teve um momento muito bacana registrado no ateliê, onde as pessoas das escolas se preparavam, que acabaram me incluindo como figurante. Quando comecei a cantar um dos sambas enredos da Desce Ladeira, da qual fiz parte, contagiou toda a galera”, relata Polyana.

Zé Bundão

A analista de Departamento Pessoal Fernanda Vitorino Costa se empolgou ainda mais pela história ao descobrir que o seu personagem, o Zé Bundão, na verdade, era a identidade secreta da sua prima, Sandra Coelho, vivida com intensidade num dia cheio de diversão e reviravoltas.  “Estar no lugar dela pra mim foi muito emocionante. E por várias vezes fui pensando como foi a reação dela, como de fato ela faria, então, deu pra sentir uma emoção muito grande”, destaca Fernanda, que atuou como figurante no filme “A Carta”, há dez anos. Todos os anos, nos dias de carnaval, a integrante do Bloco Ladilá, uma das extintas escolas de samba, sai da cidade vizinha de João Monlevade para tocar junto à bateria e reencontrar os familiares e amigos em Nova Era.

No decorrer da pré-produção do filme, Fernanda estudou o roteiro, participou de reuniões, ensaiou as cenas, entendia como seria cenário, trocava ideias e o tempo todo queria saber como estava o andamento dos detalhes da produção. Por ser uma experiência única e emocionante, ela acredita que as pessoas deveriam ter mais oportunidades de contar mais histórias de outras pessoas porque é uma memória pra sempre gravada num filme.

“Estar no lugar de outro alguém, fazer algo por alguém e ver a pessoa extremamente feliz é mágico, é maravilhoso. Sandra merece muito este filme, esta lembrança do pai, por tudo o que ela já passou na vida. É uma mulher muito forte, que representa muito pra nossa cidade. Estar na cultura, fazer questão de trazer a cultura, de deixar os detalhes riquíssimos do carnaval, lembrar das pessoas que já se foram, dos blocos que já passaram, da tradição do carnaval nova-erense, tudo isso foi impecável. Amei estar com ela e com as pessoas”, agradece a protagonista, de 27 anos.

Ana Rabo 

A professora de Biblioteca Pabline Clara Machado, 42 anos, achou emocionante ver o resgate de histórias pessoais e a ilustração da história de um lugar feita pelas mãos de sua gente. Intérprete de Ana Rabo, vivida na história real por Ana Cândida Martins de Assis Pocceschi, ela ressalta a troca de energia e o trabalho coletivo para contar a mesma história.

“Dar forma, corpo e voz para a imaginação de alguém, mas também para a memória afetiva, pras alegrias passadas, pras emoções que já foram vividas, deixa a gente feliz pela responsabilidade e também com medo e assustada de não errar. Mas foi muito legal porque tudo fluiu. O carnaval realmente fez parte da gente e poder contar esta história, ter este registro, esta ilustração para que as gerações futuras possam saber o que foi o carnaval de Nova Era, o que é agora, o que poderá ser, é muito importante. A vida se resume, às vezes, a muitos carnavais”, avalia Pabline. A professora acredita que sua personagem é uma jovem à frente do seu tempo que, junto com amiga, monta um plano para sair no bloco proibido para elas.

O aprendizado

As cenas de “Revelações de Carnaval” foram gravadas em diferentes prédios e ruas da cidade, mobilizou foliões e folionas, reuniu blocos tradicionais de carnaval e duas bandas (Bandinha dos Farrapos e a Corporação Musical Euterpe Lagoana). Todo este esforço de produção acionou memórias das escolas de samba e dos blocos de carnaval e despertou nas pessoas o desejo de resgatar estes encontros festivos e coletivos de Nova Era.

“Pelo olhar da câmera, captar de verdade o que você escreveu, o que sentiu, a sua história em sua essência é um grande desafio. A minha experiência foi sensacional. Eu tive a oportunidade de ter profissionais e um elenco maravilhosos ao meu lado, mas fiquei pensando nos detalhes, na grande expectativa que eu tinha de contar a história do início ao fim e acho que este objetivo foi cumprido. Não é fácil dirigir uma comunidade, um roteiro que tem muita gente envolvida. Foi um excelente aprendizado. Estou extremamente feliz por ter tido esta oportunidade. E, na verdade, eu quero mais”, analisa Sandra Coelho.

Texto: Simony Leite Siqueira

Fotos: Equipe IMA

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