De todas as histórias vividas pela agente de saúde Marisa de Almeida Silva e por sua família, uma ainda desperta espanto e relembra fatos nunca explicados. Quando a mineira chegou ao Espírito Santo, em 1986, em busca de emprego e um novo lugar para construir sua vida ao lado da mãe e dos irmãos, não imaginava encontrar desafios para além da realidade. Trinta e oito anos depois, ela decidiu transformar esta história em filme através do Curta Vitória a Minas III. As gravações do curta “A Casa Sinistra” começaram no sábado (06/07) e terminaram na terça-feira (09/07) em Colatina.
O comerciante Laurindo da Silva e a dona de casa Euzi Almeida da Silva tiveram sete filhos: Antônio, que morreu ainda bebê, Cláudia, Lamartine, Marisa, Marco Aurélio, Maralidia e Venício. Filha do meio, Marisa nasceu em Carlos Chagas, no interior mineiro, mas foi registrada 21 dias depois em Belo Horizonte, para onde a família se mudou, construiu uma casa e viveu muitas memórias. Com a separação dos pais, a situação financeira se complicou, forçou Marisa, sua mãe e parte dos irmãos a se mudarem para terras capixabas. Aos 22 anos de idade, ela veio na frente para arrumar emprego e uma casa para a família, ainda não tinha terminado o ensino fundamental e sua maior experiência era como atendente numa padaria.
Como não conseguia uma ocupação na região metropolitana de Vitória, ela aceitou a orientação de uma tia para recomeçar a vida em Colatina onde havia oportunidade de trabalho no ramo de confecção. Mesmo não sabendo costurar em máquina industrial, apenas em máquina de pedal, a garota aceitou o emprego. Agora o desafio era conseguir uma casa para abrigar a família. “O aluguel era muito caro e não havia muita opção de casa na cidade. Foi quando encontrei este imóvel no bairro localizado na direção da Estação Ferroviária, no lado de cima, um pouco pra frente. A casa estava vazia e à disposição para alugar. Eu quase não acreditei e fiquei muito feliz”, conta Marisa.
A casa era antiga, feita de alvenaria. O terreno tinha um porão e um quintal cheio de árvores, na parte de baixo, e mais ao fundo, se avistava a linha de trem e o rio. A parede da frente dava direto na calçada, na rua de cima, e abrigava duas janelas de madeira. Não havia varanda de frente e nem porta de entrada para a residência. Para entrar era preciso atravessar um portão baixinho, localizado na lateral do prédio, percorrer um corredor comprido que terminava na porta de um banheiro externo. Na lateral deste corredor tinha uma porta para a sala de estar e, ao final, uma outra porta para a varanda dos fundos, através da qual se acessava a parte interna da casa composta por cozinha, três quartos, além da sala.
Marisa adorou a nova moradia, correu para limpar tudo e buscou seus irmãos (Maralidia e Marco Aurélio), a prima Marinês com a filha Marianinha. Em seguida, a mãe Euzi também chegou. Os novos moradores se distribuíram entre os quartos e ajudaram a organizar na casa as poucas coisas que tinham, arrumaram algumas vasilhas de cozinha, um fogão velho, colchões, almofadas, uma mesa velha e uma televisão antiga.
“Não demorou muito, começamos a ouvir barulho. Era uma vasilha que parecia ter caído, ia lá e não tinha nada. Uma porta que batia, chegava lá, ela estava fechada. Meu irmão que costumava se ajoelhar para orar, não conseguia fazer a oração porque os pensamentos sumiam da mente, algo parecia chegar perto e abraçar. Vultos que desapareciam nos ambientes, além de uma sensação de algo te observando bem de perto”, descreve a diretora. Estas manifestações sobrenaturais prosseguiram por quase duas semanas até a família desistir de morar no lugar.
A casa ainda existe, porém, a diretora preferiu buscar uma locação com características semelhantes à original para gravar as cenas. Uma forma de preservar a identidade do imóvel e respeitar o espaço do desconhecido. A procura pela casa ideal foi uma maratona parecida com aquela vivida por Marisa na época em que chegou a Colatina, quase quatro décadas antes. Ela percorreu vários lugares até encontrar a locação no bairro Barbados, localizado cerca de uma hora do centro da cidade. O imóvel estava vazio e foi emprestado para as filmagens pelo proprietário Eniel Lauro.
“Eu queria uma casa com fundo para o rio como é o lugar que inspirou a história. Foi legal porque fizemos um garimpo para encontrar a casa do jeito que combinasse com a história e com aquilo que imaginei. Montamos um cenário bem rústico e humilde como a família que morava nesta época. Nesta preparação, descobrimos aqui e ali objetos de cena valiosos para compor as cenas. Eu me diverti muito durante a preparação. Os preparativos são empolgantes, mas não são fáceis”, relata Marisa.
Novas experiências
A diretora contou com o apoio da irmã Cláudia de Almeida, atriz de teatro e professora de Artes Cênicas aposentada, que a incentivou a enviar a história, auxiliou na organização dos figurinos e na seleção dos objetos de cena, preparou o elenco e desempenhou a função de assistente de direção. “A vivência do set acabou sendo, na verdade, uma loucura, porque o elenco é grande, não são atores profissionais, trabalhamos em três turnos, praticamente, foi uma correria, mas, por outro lado, trouxe um aprendizado muito bacana”, conta Cláudia, que também interpreta a mãe Euzi, na trama chamada pelo nome de Geralda. O elenco envolveu outros membros da família como a sobrinha Rebeca Almeida, o sobrinho Lorenzo Almeida, a cunhada Sebastiana Nascimento dos Santos e as primas Valentina dos Santos e Rittiele Vitória dos Santos e o amigo Osvaldino Roque Medeiros.
“Ao lado da minha irmã na produção do filme pude estar junto com a minha família, vivendo um momento de troca, pois, profissionalmente, atuamos em áreas bem diferentes, embora, as duas lidem com seres humanos. Poder estar com ela, com meus sobrinhos, parentes, primos, rodeada de familiares nesta atividade foi uma experiência muito bacana que deu pra gente a possibilidade de estar junto, produzir algo criativo, ligado à arte, que é a área em que eu trabalho. Eu fiquei muito feliz com isso”, comemora Cláudia.
A estudante de Direito, Rebeca Almeida, 20 anos, interpretou a Jurema que, na verdade, é a personagem que traz as memórias da Marisa. Na avaliação da universitária, a experiência foi um pouco diferente, pois não conhecia a rotina de uma filmagem para o cinema cuja dinâmica inclui, muitas vezes, a gravação repetida de uma mesma cena e a gravação da mesma cena através de vários ângulos. “Como passamos quatro dias seguidos juntos desde de manhã até a noite, foi um momento muito gostoso de viver com a família. Por mais cansativo, esta foi a parte mais prazerosa. Eu acho que esta é uma história muito interessante. Obviamente não é a única deste processo de mudança, tem várias histórias que a minha tia vive contando dentro de casa e que dariam ótimos filmes”, comenta a jovem.
Rebeca contracenou com o irmão, Lorenzo Almeida Silva, 13 anos, estudante do 8º ano do ensino fundamental, escolhido para o papel de um dos irmãos de Marisa, o Marco Aurélio, chamado na trama de Pedro. Para o estudante, atuar também foi uma experiência nova e fazer cenas de uma história com eventos assombrados lhe deu um pouco de aflição. “Pra lidar com esta aflição, eu tentei esquecer o medo”, conta o adolescente.
A diretora convidou a cunhada Sebastiana Nascimento dos Santos, 52 anos, para interpretar a prima Marinês que, na ficção, ganhou o nome de Maria. “Achei maravilhoso atuar, uma experiência nova. Nunca imaginava que isso fosse acontecer na minha vida. É muito bom conhecer outras pessoas. O mais difícil é ficar em frente à câmera com todos te olhando, esperando a sua cena, mas você respira e vai em frente. Esta história vivida pela Marisa, achei sinistra mesmo. Não teria coragem de viver numa casa desta nunca, mudaria no mesmo dia”, conta Tiana, como é conhecida. Na trama, ela é mãe de Marianinha, interpretada por Valentina dos Santos, 8 anos. “Fui chamada pra fazer o filme a Casa Sinistra e achei muito legal. Uma experiência incrível! Eu nunca participei de filme, estas coisas assim”, destaca Valentina, estudante do 2º ano do ensino fundamental.
Rittiele Vitória dos Santos, 11 anos, estudante do 5º ano do ensino fundamental, interpretou Maralidia, a irmã mais nova de Marisa. Na ficção ela recebeu o nome de Marta. A menina achou incrível a experiência de atuar e somente sentiu um pouco de dificuldade na hora de interpretar a sua personagem passando mal, se contorcendo em cima da cama. “Outra dificuldade foi fazer a cena com a câmera olhando direto pra mim. Pra eu me concentrar, eu respiro, penso em coisas boas para que eu consiga poder falar. Faço uma meditação, fecho os olhos, depois, eu consigo ficar calma do lado da câmera”, explica a estudante.
Trocas e aprendizados
Quem voltou a participar de uma produção do Curta Vitória a Minas III foi o ator e coordenador da Cia. Teatral Art’Manha, Kaio Henrique, morador de Colatina. Na primeira edição, ele fez parte do elenco do filme “O Som do Silêncio”, de Juliana Brêda, e na segunda edição, participou da produção do filme “O Último Trem”, de Fabrício Bertoni.
“Nessa terceira edição tive a oportunidade de fazer parte da equipe de produção e do elenco sendo um dos figurantes de “A Casa Sinistra”. Uma rica troca de experiências e um aprendizado maravilhoso com profissionais qualificados e bem dinâmicos. Certamente foi muito proveitoso, tanto pessoal como profissionalmente, estar em todas as edições, compreendendo a importância e conhecendo melhor os diferentes tipos de trabalhos dentro do universo audiovisual”, ressalta Kaio. Durante as gravações, a turma das filmagens recebeu a visita e o incentivo de Fabrício Bertoni, diretor do filme “O Último Trem”, e de Nilo Tardin, diretor de “Colatina: A Princesa do Rock”, moradores do município, selecionados na segunda edição do projeto.
Apesar da correria e do cansaço dos dias de gravação, Marisa destacou como muito rica a vivência e ressaltou o apoio e as contribuições dadas pelos profissionais do Instituto Marlin Azul. A equipe técnica se juntou à equipe local e ao elenco para trazer à tona os principais acontecimentos da casa mal-assombrada. “A experiência foi ótima. Como é tudo novo, imaginamos fazer algo de uma forma, mas, na hora da filmagem, foi preciso mudar de última hora, fazer a junção de uma cena com a outra, até mesmo por questão de iluminação. Algumas vezes, é necessário adaptar o ambiente de dia para parecer que é noite. Tudo isso é enriquecedor porque estamos numa aventura de marinheiro de primeira viagem. É tudo emocionante porque você pensa “será que vai dar certo?”. O bom é termos profissionais como o diretor de fotografia, o Alex, que dá bastante sugestões, conversa, explica e argumenta. É uma pessoa com quem você pode falar como gostaria que fosse a cena. Toda a equipe deu muito apoio: a produtora Patrícia, o técnico de som, o Pedro, o assistente de iluminação e fotógrafo, Gustavo. À medida que o trabalho foi se desenvolvendo, fomos encontrando soluções em conjunto. Foi fantástica a experiência!”, destaca Marisa de Almeida.
Texto: Simony Leite Siqueira
Fotos: Equipe IMA