A pequena comunidade de Bom Jesus do Bagre, em Belo Oriente (MG), não se aguentava mais de ansiedade para assistir ao filme sobre sua mais importante tradição, o Boi Balaio, preservada de geração em geração há mais de 75 anos. Alguns dias antes, a ameaça de tempo chuvoso trouxe a angústia da incerteza do local da exibição, se seria em espaço aberto ou fechado. Mas a terça-feira (26/11), data da estreia, entregou um dia radiante de sol e uma noite coroada de estrelas.
Quando o caminhão-cinema desembarcou no distrito e a equipe começou a montagem da tela, os moradores se surpreenderam com a estrutura. “A expectativa de todo mundo foi ficando alta, vendo a estrutura sendo montada. Quando terminou de montar, a comunidade viu a grandiosidade da estrutura, bem maior do que todos esperavam. Os moradores se sentiram valorizados”, conta o coordenador de comunicação Mauro dos Santos Junior, diretor do curta “Boi Balaio”, a atração principal da sessão de cinema com pipoca.
Os moradores começaram a chegar para o grande evento. Alguns filmes feitos em cidades do entorno da Estrada de Ferro na segunda edição do projeto começaram a rodar na tela, dando boas-vindas aos espectadores. O público também conferiu animações feitas por estudantes da rede pública do Projeto Animação do Instituto Marlin Azul. Mais e mais pessoas chegavam e se acomodavam em frente à telona, em volta do espaço de exibição, nos arredores da praça e nos bares. Após o cerimonial de apresentação da mostra, a sessão começou.
“Ao longo da noite de lançamento foram exibidos filmes inéditos da mostra e todos ficaram presos vendo as histórias dos outros participantes do Curta Vitória a Minas III. A cada filme, eles ficavam mais esperançosos para ver aquele momento do boi. Quando apareceu no título “Boi Balaio”, todo mundo começou a gritar de euforia. Cada um foi se autorreconhecendo no curta-metragem gravado na comunidade”, relata Mauro.
Quem viveu este momento foi a auxiliar de serviços gerais Maria Socorro Carvalho de Jesus, uma das idealizadoras do Judas Mirim, tradição celebrada na véspera do ritual do Boi Balaio. “Foi muito legal ver todo mundo ali ansioso esperando. A parte que mais gostei foi quando eu e meu irmão aparecemos naquela enorme tela. Aí eu gritei demais! Mais legal ainda foi assistir ao filme e comer pipoca”, brinca Maria.
O boi é uma armação composta por uma cabeça empalhada de boi e o corpo feito de balaio revestido com espuma e um pano estampado com cores vivas. Um mascarado veste esta armação e desfila pelas ruas correndo atrás dos brincalhões mais corajosos que se atrevem a implicar com o bicho. As “Mulherzinhas”, homens mascarados, vestidos com roupas femininas, correm atrás de quem bate no boi e revidam as provocações com lambadas de galhos. O filme retrata os principais momentos da festa desde os preparativos até o desfile pelas ruas do distrito.
“Foi muito bom acompanhar a sessão porque o Boi Balaio acontece uma vez por ano. Este ano, a gente teve o prazer de ver a festa três vezes porque teve a festa normal, a gravação e, agora, a exibição do filme. Gostei muito! As pessoas do mundo inteiro poderão conhecer a nossa tradição”, comemora o estudante João Marcos Nunes da Silva, que integrou a equipe local das filmagens.
Desde os quatro anos de idade, Heitor Barbosa, 15 anos, estudante do 1º ano do Ensino Médio, participa da festa. Muitas pessoas, segundo ele, gostam de encostar mais suavemente a mão no boi porque acreditam nele como um símbolo de fartura e prosperidade. Contam que, neste dia, nos tempos antigos, parte das colheitas abundantes era doada para os moradores. As “Mulherzinhas” também desempenham o papel de proteger crianças e idosos da multidão mais agitada. Heitor também participou das gravações e se encantou ao ver o filme pronto.
“Foi uma experiência incrível ver famílias se reunindo, ver a participação da comunidade e o quanto a população abraçou este projeto. Foi uma tremenda satisfação assistir ao filme, ver a minha cultura tendo um reconhecimento maior e saber que mais pessoas poderão ver o quanto o Boi Balaio é importante. Eu gostei muito de gravar a cena da festa, com todos reunidos, amigos, familiares e o pessoal da organização do boi. A gravação conseguiu mostrar como a festa é emocionante, como o povo de Bom Jesus do Bagre ama esta tradição e como as pessoas de outros lugares que vêm prestigiar o evento ficam curiosas e, ao mesmo tempo, emocionadas com a diversão”, descreve Heitor.
A reconstituição da festa durante as filmagens mobilizou a comunidade. Apesar da construção coletiva, Mauro estava receoso da obra final não transmitir toda a energia sentida pelos moradores e pelos visitantes todos os anos. “Durante a exibição, eu fiquei mais atrás vendo tudo e observando a reação do pessoal. As pessoas ficaram muito alegres com o filme e isso me alegrou muito porque conseguimos com a participação de todos concretizar esta obra. A cultura de Bom Jesus do Bagre ganhará reconhecimento em outros lugares, em especial, naqueles que também preservam algum tipo de cultura e acham que nunca serão reconhecidos. O filme é uma luz de esperança para outras comunidades e culturas”, celebra Mauro.
E a caravana de cinema não para! Hoje, às 19h30, tem sessão gratuita no Galpão do Parque Ipanema, em Ipatinga, no Vale do Aço. A estrela da noite é o filme “O Pássaro”, que tem roteiro, direção e produção da atriz e produtora cultural Luzia Di Resende.
Texto: Simony Leite Siqueira
Fotos: Mariana de Lima